quinta-feira, 13 de setembro de 2012

"Bendito" Por: Adélia Prado

"Bendito é, sem sombra de dúvidas, um dos mais belos e tocantes poemas que a poetisa-maior de Divinópolis já escreveu. Nele Adélia expõ-se frágil diante da tão imediata beleza do mundo, mas forte também no que lhe aflige. A própria declamou o poema no programa "sempre um papo":


Louvado sejas Deus meu Senhor,
porque o meu coração está cortado a lâmina,
mas sorrio no espelho ao que,
à revelia de tudo, se promete.
Porque sou desgraçado
como um homem tangido para a forca,
mas me lembro de uma noite na roça,
o luar nos legumes e um grilo,
minha sombra na parede.

Louvado sejas, porque eu quero pecar
contra o afinal sítio aprazível dos mortos,
violar as tumbas com o arranhão das unhas,
mas vejo Tua cabeça pendida
e escuto o galo cantar
três vezes em meu socorro.

Louvado sejas porque a vida é horrível,
porque mais é o tempo que eu passo recolhendo despojos,
-- velho ao fim da guerra como uma cabra --
mas limpo os olhos e o muco do meu nariz,
por um canteiro de grama.

Louvados sejas porque eu quero morrer,
mas tenho medo e insisto em esperar o prometido.
Uma vez, quando eu era menino, abri a porta de noite,
a horta estava branca de luar
e acreditei sem nenhum sofrimento.
Louvado sejas!

terça-feira, 11 de setembro de 2012

"Um poeta matuto" | Geraldo do Norte


Geraldo do Norte, vivendo hoje em Suruí (RJ), nascido em Parelhas, sertão do Rio Grande do Norte, reproduz a mais legítima poesia dos bardos nordestinos revivendo em seus poemas a saga de um povo que extrai da terra – sua mais recorrente fonte de inspiração – a matéria lírica e a essência sertaneja que projetaram em todo o território nacional nomes como Patativa do Assaré, Zé Limeira e Cego Aderaldo.

A par de cativante talento para contar seus "causos" e versos, a verve do matuto pode ser apreciada pela espontaneidade que flui, perene como as águas de seu Seridó, "onde várzeas eram pomares / o leito tinha lugares / que dava o que se plantasse".

Alerte-se, no entanto, para que tal espontaneidade não seja confundida com falta de acuidade técnica, posto que, se preciso, o "véio" Matuto capricha em sextilhas ou septilhas, dispondo rimas alternadas, emparelhadas ou interpoladas, no mesmo rigor dos 'bilacs "parnasianos. Ou, para se respeitar a geografia sentimental, na mesma métrica do Mestre Patativa.

Apresentando-se sempre com indumentária do sertanejo, Geraldo "fala" seus textos com tanta sinceridade, com tamanha ligação entre o homem e a obra, que chamá-lo de intérprete ou de ator, seria vê-lo como uma contração. O verso chistoso e a palavra-chicote passeiam do riso franco ao açoite das consciências adestradas. Íntegro, homem e arte se completam, amalgamam-se o rude matuto e o sensível versador. "Cavalheiro cavalo" é como o matuto de Parelhas se autodefine num rojão de sua autoria, gravado por Nandinho do Pandeiro". 

Os primeiros poemas de Geraldo podem ser encontrados no seu CD "Diário de um Poeta Matuto" produzido por Adelzon Alves, cujas prensagens, vendidas de mão a mão, num árduo trabalho de produção independente, esgotaram-se rapidamente em 12 meses, uma verdadeira façanha para quem não dispunha de publicidade e nem divulgação.

 Baixe o CD clicando na capa