quinta-feira, 13 de setembro de 2012

"Bendito" Por: Adélia Prado

"Bendito é, sem sombra de dúvidas, um dos mais belos e tocantes poemas que a poetisa-maior de Divinópolis já escreveu. Nele Adélia expõ-se frágil diante da tão imediata beleza do mundo, mas forte também no que lhe aflige. A própria declamou o poema no programa "sempre um papo":


Louvado sejas Deus meu Senhor,
porque o meu coração está cortado a lâmina,
mas sorrio no espelho ao que,
à revelia de tudo, se promete.
Porque sou desgraçado
como um homem tangido para a forca,
mas me lembro de uma noite na roça,
o luar nos legumes e um grilo,
minha sombra na parede.

Louvado sejas, porque eu quero pecar
contra o afinal sítio aprazível dos mortos,
violar as tumbas com o arranhão das unhas,
mas vejo Tua cabeça pendida
e escuto o galo cantar
três vezes em meu socorro.

Louvado sejas porque a vida é horrível,
porque mais é o tempo que eu passo recolhendo despojos,
-- velho ao fim da guerra como uma cabra --
mas limpo os olhos e o muco do meu nariz,
por um canteiro de grama.

Louvados sejas porque eu quero morrer,
mas tenho medo e insisto em esperar o prometido.
Uma vez, quando eu era menino, abri a porta de noite,
a horta estava branca de luar
e acreditei sem nenhum sofrimento.
Louvado sejas!